Os gatos não são apenas queridos no Japão – eles são celebrados, idolatrados e, nos últimos anos, monetizados. Essa relação intensa entre os felinos e a sociedade japonesa gerou um conceito econômico curioso, mas real: Nekonomics. Essa expressão mistura “neko” (gato, em japonês) e “economics” (economia, em inglês), e surgiu para descrever como o fascínio nacional por gatos está movimentando bilhões de ienes por ano.
O termo começou como uma brincadeira acadêmica, mas rapidamente foi adotado por analistas e pela mídia, após estudos apontarem o tamanho do impacto que os gatos vinham causando em setores como turismo, comércio, tecnologia e até urbanismo. Hoje, Nekonomics é uma força econômica consolidada e em expansão, impulsionada por fatores demográficos, digitais e emocionais.
E tudo começou com uma ironia: uma resposta lúdica à seriedade do "Abenomics".

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Da Política ao Miau: Como Surgiu o Termo Nekonomics
O termo Nekonomics (ネコノミクス) foi cunhado em 2015 por Katsuhiro Miyamoto, professor da Universidade de Kansai, após a explosão de popularidade de Tama, uma gata que virou chefe de estação de trem na província de Wakayama. Em analogia à política econômica do então primeiro-ministro Shinzo Abe, chamada Abenomics, o professor utilizou o trocadilho para destacar como os gatos estavam gerando renda real.
Enquanto o Abenomics envolvia reformas fiscais e estímulos monetários, o Nekonomics movimentava a economia pelo afeto e pela cultura popular.
Estudos mais recentes mostraram que o impacto econômico não era pequeno. Segundo levantamento da Yano Research, o setor de produtos e serviços relacionados a gatos gerou mais de ¥2 trilhões em 2022. Em 2025, a projeção é de ¥2,9 trilhões (cerca de US$19 bilhões). E o crescimento segue constante, puxado por diversos pilares.

Turismo Felino: Destinos Que Respiram Gatices
A relação entre turismo e gatos no Japão é mais forte do que parece à primeira vista. Diversas regiões estão colhendo os frutos do cat appeal para atrair visitantes, especialmente japoneses urbanos em busca de refúgio emocional.
Ilhas dos Gatos
As famosas “Ilhas dos Gatos”, como Tashirojima e Aoshima, são exemplos emblemáticos. Com populações felinas maiores que as humanas, essas ilhas recebem subsídios estatais para manter sua identidade. Entre 2021 e 2023, foram investidos cerca de ¥500 milhões em infraestrutura turística voltada à proteção e promoção desses destinos.
Apesar de isoladas, as ilhas receberam dezenas de milhares de turistas por ano, gerando renda para pequenas comunidades e revitalizando áreas que estavam em declínio populacional.

Experiências Temáticas e Imersivas
Além das ilhas, surgiram empresas como a Felissimo, que organiza tours pagos para alimentar gatos de rua em Tóquio. Os ingressos, vendidos por cerca de ¥8.000 (US$55), estavam esgotados até 2024. Para muitos, é mais que um eio – é uma experiência emocional terapêutica.
Cat Cafés: Uma Indústria em Expansão
Os primeiros cat cafés surgiram em Osaka em 2004, oferecendo alívio do estresse urbano. Em 2023, o Japão abriga mais de 150 estabelecimentos, gerando receitas anuais de aproximadamente ¥10 bilhões (cerca de US$ 68 milhões). Empresas como Neko no Jikan e Cat Cafe Mocha expandiram-se para franquias, atraindo turistas e residentes. Durante a pandemia, alguns adotaram modelos híbridos, como sessões virtuais, mantendo relevância.

Economia Digital: Os Gatos Dominam a Internet e as Startups
Não basta ser fofo presencialmente. Os gatos também estão dominando o mundo digital, e com isso gerando renda para criadores, plataformas e marcas.
Influencers Felinos e Cultura de Nicho
Você provavelmente já ouviu falar do Maru, o gato do YouTube que adora caixas. Em 2022, ele gerou cerca de US$1,2 milhão em receita, através de parcerias, merchandising e publicidade. Ele não está sozinho: o Japão tem uma legião de “nyanfluencers” movimentando cifras expressivas no Instagram, TikTok e YouTube.
Esses gatos viraram marcas, e cada vez mais empresas estão apostando neles para publicidade de produtos não relacionados – de seguros a automóveis.
Inovação Tecnológica e Realidade Virtual
A relação dos japoneses com seus gatos também está se digitalizando. Durante a pandemia, o projeto NekoVR ofereceu experiências de interação com gatos virtuais por meio do Meta Quest 2. Foram mais de 200 mil usuários em menos de 6 meses.
Startups como a Tailly criaram coleiras com IA capazes de traduzir miados, e o interesse foi tanto que os estoques esgotaram antes mesmo do lançamento oficial.
Gatos e Blockchain
O Japão também surfou na onda dos NFTs. Exemplares raros da plataforma CryptoKitties, mesmo não sendo japonesa, ganharam fãs por lá. Em 2021, um deles foi vendido por ¥18 milhões (US$123 mil).

Produtos de Luxo, Moda e Consumo Pop
O comércio físico também vem sendo impactado pela cultura felina. Gatos estão nos corredores das maiores lojas de departamento, em designs de produtos de luxo e até em rótulos de bebidas.
- Takashimaya lançou uma linha de kimonos para gatos com cristais Swarovski, com preços de até ¥300.000 (US$2.050).
- A cervejaria Sapporo criou a edição limitada “Nyan Lager” com rótulos de gatos. Em 3 dias, mais de 1 milhão de unidades foram vendidas.
- Em lojas como Don Quijote, itens com estampas de gatos representam até 20% das vendas de souvenirs regionais.

Controvérsias e Tensões: O Outro Lado do Nekonomics
Nem tudo são ronronadas. O crescimento desse setor trouxe à tona questões éticas e sociais importantes.
Superexploração Animal
Relatórios de 2022 da ONG Animal Rights Center Japan revelaram que cerca de 20% dos cat cafés investigados apresentavam indícios de maus-tratos. Gatos exaustos, falta de períodos de descanso e ausência de acompanhamento veterinário estão entre os problemas mais citados.
Gentrificação Felina
A promoção de locais como Enoshima como paraísos de gatos causou valorização imobiliária, elevando aluguéis em até 40% e forçando moradores antigos, sobretudo idosos, a deixarem o local.
Essas distorções alertam para a necessidade de regulamentação e equilíbrio entre turismo e bem-estar animal.

O Futuro do Nekonomics: Para Onde Caminha a Gatocracia?
Os especialistas apontam para três tendências principais no horizonte do Nekonomics:
- Gatos no Metaverso: A Bandai Namco já anunciou o jogo NekoVerse, onde jogadores poderão “adotar” gatos digitais com autenticação via blockchain.
- Robôs Terapêuticos: Após o sucesso do PARO (o bebê-foca robô), o Japão prepara uma versão felina para 2024, focada na saúde mental de idosos.
- Licenciamento Solidário: Há debates em curso sobre royalties para abrigos quando gatos resgatados viram celebridades digitais ou memes virais.
Conclusão: Um País Que Ama, Monetiza e Reflete Sobre Seus Gatos
O Nekonomics é mais que uma curiosidade sociocultural. Ele reflete tendências demográficas, emocionais e tecnológicas que moldam o novo Japão: uma sociedade urbana, envelhecida e cada vez mais conectada. Os gatos, com sua independência e carisma, representam muito do que os japoneses procuram em suas relações – e isso se traduz em comportamento de consumo.
Mais do que moda, o Nekonomics é um espelho econômico de um país em transformação, e um lembrete de que até um miado pode movimentar mercados.